Depois das doces tormentas do doutorado, retomo agora o que fazia quando concebi e ministrei a Histórias sobre os Grandes Crimes e Julgamentos da História. Por isso digo: estou aqui para, com alegria, recomendar aquisição e leitura - atenta - de obra de referência para os estudos, ensinos discussões, críticas e pesquisas acerca da política de reserva de vagas no ensino superior público para pessoas negras segundo o IBGE.
A referida política tem na lei federal - nº 12.711, 29/08, na da Carta de 88 e na Legislação Internacional dos DH, seus grandes legitimadores. Segundo a obra invocada, todos eles muito importantes, mas ainda merecedores de mais pesquisas e de iniciativas que busquem dotá-los de efetividade. A citada lei, modificada no final do ano passado, ainda estampa, trata das cotas para negras e negros nos processos seletivos dos discentes do ensino público federal.
O artigo sobre o qual discorro é sobre o livro “A política de Ações Afirmativas na Perspectiva da Política Educacional”. Foi escrito pela Professora Doutora Debora Cristina Jeffrey, da Faculdade de Educação-Unicamp e publicado pela Editora CRV. Esse livro teve origem no concurso que a referida lente prestou a fim de obter – merecidamente – o título de professora titular da Unicamp. Sendo assim, vou direto ao que mais despertou e prendeu as atenções quando meus olhos se lançaram sobre o que me fez vir até aqui – livro que tomei coragem e saquei, sem pedir licença a nada e a ninguém – da minha biblioteca caseira.
A primeira singularidade que aprendi e passei ensinar com a autora e obra mencionadas foi a seguinte: ao se ler o livro, do início ao fim, percebe se que existem várias tipologias de cotas integrantes da política de reserva de vagas da Lei das Cotas - nome popular da Lei da Política de Reserva de Vagas. Rememoro a quem estiver lendo que o STF, em 2012, provocado por quem de direito, na decisão de mérito da ADF 186 declarou que as cotas para pessoas negras eram (e ainda são) constitucionais.
Porém, ficou evidente de lá para cá que ser constitucional não é adjetivação precipitadora de mais efetividade da lei citada. Essa singularidade política e jurídica é realidade que legitima e enseja mais lutas em prol da garantia e universalização do acesso ao ensino superior público – espaço histórico para a(o)s não negra(o)s mais abastada(o)s, local para os desfrutam impunimente os privilégios da branquitude.
A segunda singularidade, que eu não poderia ignorar e deve ser mais ensinada, é: a Lei das Cotas, como toda lei, é fruto de lutas políticas sim, lutas focadas e direcionadas à ampla, efetiva e diligente universalização do direito fundamental e humano à Educação. Direito existente (positivado e legislado) mas ainda muito caro, raro e altamente difícil para quem faz parte dos segmentos da população brasileira que integram os mais socialmente vulneráveis.
Ao ler o texto da Professora Debora percebi como Arquimedes de Siracusa: ações afirmativas com cotas ou sem elas não fazem parte de políticas para pessoas inferiores, mas para as que, no caso, devido à condição cor/raça, eivadas de discriminações negativas e insustentáveis suportam, sofrem, sobrevivem e vencem discriminações das mais diversas natureza que, sem sombra de dúvidas, estão entre os fenômenos (injustiças) transgeracionais e transtemporais singularizadoras da nossa república, herdeira, ao que parece muito orgulhosa ,de mobiliários estatais e mentais do antigo império escravizador que já foi (será?) o Brasil.
No Brasil, como em outros países – USA, Inglaterra, Chile, França, Portugal, Canadá, Itália, Argentina, Chile, Espanha – só para exemplificar - as grandes fortunas da(o)s pouca(o)s muito mais privilegiada(o)s têm origens certas e ligações sim – razões de ser figadais - com a escravização e comercialização das vítimas desses atos hediondos praticados por muitos vultos tidos e tratados ainda hoje como heróis/heroínas, grandes benfeitora(e)s do fim da escravidão, da libertação da(o)s nega(o)s e das nossas causas – nossas sim, sou negro e não nego.
O excelente livro da Professora Debora vem a ser um texto muito bem escrito e didático cujos conteúdos, frutos de assertivas pesquisas, nos ajudam a aprender mais para ensinar mais que as lutas políticas pelas cotas e ações afirmativas fazem parte da história passada e presente da construção do que apelido de Direito das Antidiscriminações de Natureza não Penal.
Ramo do Direito, ao meu ver, que necessita de mais divulgação, ensino, professora(e)s-pesquisadora(e)s e militantes contrários às discriminações rácicas ou de outra natureza. Ele, segundo a minha opinião, que não se afasta da “amiga-irmão de cor e de lutas” Debora, clama e cobra por mais institucionalização nas IES públicas e privadas do Brasil – o que só tem chances de acontecer se travarmos mais lutas no campo das políticas educacionais, sempre focadas em pesquisas como a que vi e lei no livro da Professora e Pesquisadora Debora Cristina Jeffrey.
Ressalto que a obra da autora merece leituras e críticas responsáveis da(o)s entusiastas de todos os campos do saber e ofícios relacionados aos DH, aos DHI, às iniciativas e às discussões que, nos últimos quase um quarto de século XXI, aninam o campo das relações raciais do Brasil – tem que toca e invade à todas as Ciências, cientistas.
Nunca é demais pontuar que a obra, em apreço, é prova de que Política, Direito e Políticas Públicas são realidades que não podem ser ignoradas por quem aceita o desafio de pesquisar o que Debora com muita inteligência e talento elegeu investigar como sendo elemento de destaque (objeto investigável) da política educacional do Brasil, do pós-Carta de 1988. Essa política, sugeriu acertadamente a autora, é signatária dos legados e feitos das movimentações negras também desse mesmo período, merecendo destaque certos eventos internacionais como a Conferência de Durban Contra o Racismo, promovida pela ONU – 2001, África do Sul – cuja relatoria final ficou a cargo de Edna Roland – mulher negra, psicóloga e ativista histórica das frentes de luta contra os racismo, a(o)s racistas e as discriminações que assolam o Brasil.
As minhas análises sobre o livro da professora Debora, me fizerem aprender e ensinar que países de fora d’África onde a população negra (não branca) atinge a cifra dos milhões ou milhares – como é o caso do Brasil e da Colômbia – precisam (e necessitarão) por longo lapsos de tempo de discussões e ações políticas no campo da Educação para o ensejo e avaliação das políticas públicas e recursos enfrentadores dos racismos, racializações, da(o)s racistas e das discriminações de que temos tido notícias.
A última propriedade que explicito sobre a publicação da Professor Debora Jeffrey comporta com os seguintes elementos: ter ótimo suporte bibliográfico; contar com lastro de sólidas investigações acerca de como ver, tratar, conceber, pesquisar e ensinar política educacional como possível campo de estudo e análise crucial para os rumos e destinos da Política Educacional do Brasil cujos impactos sobre a vida de milhares, milhões de pessoas não tarda a dar sinais.
Rumando do fim, cabe ainda dizer que é muito relevante a obra não ter sido escrita só para quem é do mundo acadêmico ou fica isolado em torres herméticas de marfim a imaginar que assim aprenderá para ensinar e pesquisar sobre os grandes temas que a sociedade precisa enfrentar.
Não mencionei antes, mas falo agora: a Professora Doutora Debora Cristina Jeffrey é mulher negra. E quando mulheres negras escrevem ou falam sobre temas quentes e relevantes, é preciso ouvi-las com à devida e merecida atenção. Essa assertiva é o que ditam minhas experiências e as lições que captei e guardei da minha Vovó Daria, minha mãe Jeannette e Tias. Todas mulheres negras, pretas e claramente não brancas.
Vamos lá. Vamos ler com muita vontade o livro sobre o qual discorri – o que não eu não fazia há um bom tempo.